Publicado em: 2 de janeiro de 2024
Como Splatoon cria um universo distópico futurista e consegue trazer cultura nesse processo.
De forma resumida, a história de Splatoon se passa em cerca de mais de 10 mil anos no futuro. Na lore do jogo, o nível do mar subiu tanto que acabou destruindo a civilização e deixando a terra inabitável. Após esse longo tempo, o mar começou a levemente diminuir e voltar para a sua estrutura normal, com isso as criaturas aquáticas que viviam na superfície, antes coberta por água, precisaram evoluir e se adaptar.
Assim nasceram os Inklings, Octarians e Octolings. Que são essas misturas bonitinhas entre humanoides e cefalópodes (Lulas e Polvos).
Com o tempo, o nível do mar volta a subir, o que acaba gerando uma intriga entre os clãs de Inklings e Octarians e criando a Grande Guerra Territorial, na qual os Inklings saem vitoriosos e os Octarians são obrigados a viver em cavernas.
Essa intriga dura alguns bons anos, e o plot atual se passa com o DJ Octavio, um dos Octarians, tentando roubar a fonte de energia dos Inklings para conseguir reerguer seu império. E o nosso papel como jogador na história é recuperar essa fonte de energia e reestabelecer a paz.
Conflitos a parte, vamos ao que interessa de verdade: o VISUAL do jogo (afinal de contas, sou designer, e o visual é o que mais chama minha atenção em jogos novos).
Nesse processo de recuperação de uma civilização esquecida e outro processo de evolução “humanoide”. O jogo pousa em um espaço que utiliza muitos elementos da arquitetura grunge, uma vibe industrial, reparem que sempre é uma grande cidade, destruída ou não. É muito comum ver esse tipo de interpretação em futuros distópicos, com uma sociedade há muito esquecida e outra tentando nascer no meio desse caos. E isso reflete também no visual dos personagens.
O conjunto de roupas e estilizações é tão RETRÔ que dá uma energia mágica pro universo. Quem jamais esperaria um conceito tão abstrato de criaturas molusco-humanoides em um conceito “nova iorquino anos 80/90”?
Esse período foi muito marcado pelo surgimento da street fashion, o boom das músicas disco e festa com DJ’s, o contraste cultural da sobrevivência em uma cidade caótica e o glamour das celebrações noturnas. E Splatoon retrata isso muito bem (não só o 3, como os outros dois jogos da franquia).
Em poucas passadas pelo ArtBook oficial do jogo, conseguimos ver o trabalho imenso dos criadores em pesquisar e retratar diferentes movimentos culturais e visuais que conversam entre si e adaptar isso ao universo do jogo.
Vai dizer que só de olhar pra roupinha dos personagens e pros elementos do jogo, você não remete àquela nostalgia, o saudosismo dos anos 2000? De estar jogando “Tony Hawk” no PS1 ou assistir “Um Maluco no Pedaço” na TV aberta?
Eles acertam em cheio no meio de todo esse caos de “guerra de tinta” e ainda conseguem criar uma seleção de criação de personagens extremamente simpática e carismática.
Algo que, na minha opinião, a Nintendo nunca deixa a desejar.
A criação de personagens (assim como em outros jogos da empresa, como Animal Crossing, ou até mesmo os avatares personalizados) é bastante ampla. Ter o poder de criar um personagem baseado em mim, ou em quem eu quiser, me apetece demais. Não ter limitações ÓBVIAS de gênero, em que um mero corte de cabelo pode mudar toda a interpretação do seu personagem, é algo que faz muito sentido pra mim. A liberdade de não se importar com a forma como seu personagem é vista, mas apenas em pensar “meu deus, eu tô muito chique com essa roupinha” sabe?
E se é pra falar de corte de cabelo precisamos de um parágrafo SÓ pra isso. Afinal, o jogo faz um recorte incrível com penteados estilizados que imitam os “tentáculos” de molucos e lulas, e ainda sim conseguem trazer PERSONALIDADE pros personagens num nível que é possível até mesmo ver, entre toda a estilização, traços de cabelo afro, ondulados e lisos. E você pode até discordar de mim, mas pra quem se importa com esse detalhe, sabe que pra representatividade de criação de personagens isso é muito importante.
Além do visual da cidade e dos personagens, não podemos deixar de falar de todo o ambiente musical criado dentro do jogo. Com diversos personagens ícones da música, e até mesmo o próprio vilão ser um DJ. Acrescenta demais no universo. Com Idols dentro do próprio jogo, todas tendo um visual único, quase como Vocaloids. Cada jogo nos apresentou um grupo novo, que são importantes dentro da lore. Sendo as Squid Sisters em Splatoon 1. Off the Hook em Splatoon 2, e agora Deep Cut no 3.
Sempre com músicas originais, performances, e NOVAMENTE com o visual IMPECÁVEL.
Na minha humilde opinião, apesar de não ver a necessidade de um Splatoon 3, mas sim que o jogo claramente poderia ter vindo como uma expansão pro 2. O universo ainda acerta em cheio e continua retendo público justamente pelo seu carisma. As pessoas que jogam Splatoon já são obcecadas pelo conceito do jogo. É possível encontrar milhares e milhares de artistas por aí que vivem de fanarts e criação de histórias em cima dos personagens do jogo, de tão amado que é.
Acho que Splatoon chegou em um certo nível onde quem é realmente fã nem liga mais tanto pra gameplay ou pras partidas demasiadamente rápidas que o jogo oferece, estão lá justamente pelo amor ao universo, e tá tudo bem também! Eu mesmo não suporto mais jogar League of Legends e continuo jogando porque sou obcecado pela Lore e pelos personagens. Splatoon chegou em um lugar confortável que não precisa de uma revolução, de um modo de jogo completamente diferente. O jogo por si só é um FPS de sucesso, extremamente divertido e cativante, um dos carros chefes da Nintendo e não é à toa o motivo.
Matheus Vieira (ou @sweetheus pros íntimos) é um designer e ilustrador gay, paulistano de 23 anos e viciado em jogos desde que se entende por gente. Fã de carteirinha de jogo de fadinha, sendo Grand Chase a maior perdição deles. Nunca na sua vida você o verá jogando jogo de terror sozinho, já que com o mais mísero susto ele é capaz de gritar e acordar a vizinhança inteira.