Review The Last of Us

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Publicado em: 6 de abril de 2023

O que faz uma adaptação boa? Seguir ipsis literis o material original, se arriscando a perder bastante em storytelling quando dessa migração transmídia? Ou tomar uma maior liberdade criativa para ajustar os pormenores de uma mídia para a outra, arriscando assim afastar-se demais (as vezes, basta um nanômetro para uma obra ir de “surpreendente” para “ultrajante”) do material base, falhando tanto com os fãs da obra original quanto com o público que se pretende atingir?

Essa pergunta parece ser a pedra no sapato das produções de cinema e televisão que vem tirando o sossego dos produtores quando o tema é adaptações de jogos de vídeo game.

Motivos para temer não faltam, mas nem tudo é trevas sobre essas adaptações

Sim, Super Mario Bros. (o live action de 1993, não esse CG de 2023) e Double Dragon deixaram um gosto tão amargo que lá se foi MUITO tempo até que a indústria se sentisse confortável para voltar a olhar para os games.

Resident Evil teve um começo promissor, mas enquanto franquia não entregou o que prometia.

Assassin´s Creed foi morno (na melhor das análises), tanto para os fãs fervorosos da série de jogos da Ubisoft quanto para os fãs fervorosos do Michael Fassbender.

E Sonic…caramba, que grata surpresa foi Sonic. Mas, é um filme que atende ao público dos jogos originais. Em se tratando desse nicho, foi um sucesso, mas será que atraiu MESMO um público novo, como uma adaptação se prontifica a fazer?

Dito assim, parece que fazer uma boa adaptação de um vídeo game para um filme ou série é como navegar sem bussola numa noite de tempestade (Ah, só um adendo. Estamos falando de adaptações LIVE ACTION, ok? Com atores reais…porque, sejamos sinceros: Arcane já colocou – definitivamente – um ponto final nessa falácia de que “existe uma maldição nas adaptações de vídeo games para filmes/series.”)

Mas, ao menos essencialmente, uma adaptação precisa acertar em apenas UM aspecto, mas ele é extremamente difícil de nominar. Uma obra, quando muito boa – seja um livro, um filme, uma série – tem que causar uma sensação de espanto, maravilhamento, empolgação ou – simplesmente – possuir um fator WOW!

Para se fazer uma boa adaptação, ou seja, pegar algo feito originalmente para uma mídia e replicar seu sucesso em outra mídia diferente, o ingrediente secreto é achar esse elemento WOW na nova mídia, e então, ajustar o que é necessário.

The Last of Us é uma adaptação perfeita?

Tendo em mente que uma adaptação tira certos elementos e adiciona outros, é razoável afirmar que a série da HBO é um primor.

Isto pois ela entende o que o jogo veio nos trazer. Honestamente? Existem dezenas de jogos de Zumbis por ai. Resident Evil, Left for Dead, Dead Island, Dead Space, Days Gone etc.

Em todos esses jogos, o foco é o mesmo. Escapar dos putrefatos inimigos, enquanto sobrevive a onda após onda de mortos vivos com um arsenal incrível. O estilo é divertido, mas batido.

The Last of Us nos traz mais do que uma releitura estilística. O material original é angustiante, emocional e profundo, além de contar com as necessárias cenas de ação. A série percebeu isso e foi nisso que se focou.

Claro, existem aqueles fãs que vão levantar suas bandeiras, afirmando que algumas coisas não estão na obra original. Já adianto aqui: procure na internet e verá algumas pessoas apontando sobre o casting da Sara, sobre o fato de a contaminação precisar ser por contato (retirando a paranoia que a presença de esporos trazia. Um ponto negativo para mim, mas eu entendo que manter o rosto de Pedro Pascal escondido numa máscara é um luxo que só a Disney pode bancar), a mudança na dinâmica de Frank e Bill.

Para quem quer, motivos para reclamar não faltam.

Mas para quem entende que essas mudanças não agridem o material original e ajudam a manter o fator WOW na série televisiva, são belas adições ao cenário.

Aqueles familiarizados com a franquia identificarão cenas, locais e até diálogos que gerarão aquela sensação de “Olha lá, me lembro disso ser igualzinho no jogo”. Esta adaptação não reinventa seu material de origem, mas apresenta elementos que nos fazem manter o frescor da empolgação de quando jogamos o jogo pela primeira vez.

Assim como o jogo, a serie retrata um mundo no qual as pessoas estão fazendo o que podem para sobreviver e, às vezes, encontrar os infectados nem parece a pior coisa que poderia acontecer. Inclusive, em um episódio aterrorizante, são homens – não monstros – que se provam capazes de infligir crueldades que vão muito além do angustiante ataque de zumbis que, ironicamente, não matam por crueldade, mas sim pelo impulso biológico instintivo de perpetuar sua espécie.

Talvez um dos pontos mais divergentes do jogo para a série seja a opção dos produtores (e aqui cabe frisar que Neil Druckmann está confortavelmente sentado na cadeira de produtor-executivo) em ampliar a gama de personagens que tem tempo de tela.

Você vai perceber que um dos episódios se concentra no sobrevivente Bill (Nick Offerman, nosso eterno Ron Swanson) e seu novo relacionamento com um artista chamado Frank (Murray Bartlett). É um desvio brilhante e necessário para nos apresentar um mundo mais amplo; e uma manobra que – diferente do vídeo game que precisa ancorar o jogador nos seus protagonistas para gerar conexão e empatia – coloca tom e cor próprios na série, aprofundando nosso interesse por aquela história e como a infestação fúngica destruiu as vidas das mais variadas pessoas.

Talvez o grande trunfo da série, até agora, tenha sido sua atenção e respeito ao olhar para o material de origem com a coragem necessária para sugerir – e implementar – mudanças que não apenas o tempo (precisamos lembrar que estamos falando de um jogo de 2013, que atravessou 3 gerações de consoles e nasceu em um mundo onde uma pandemia mundial era – ainda – apenas um evento da ficção) reclamava, mas também sua nova apresentação midiática. (Poderia me alongar aqui falando sobre as diferenças intrínsecas do vídeo game, uma mídia de consumo ativo versus a série televisiva, uma mídia de consumo passivo, mas isso é um assunto técnico demais e não queremos nos aprofundar nesse tema)

Veredito.

Ao fim e ao cabo, a pergunta que fica é: The Last of Us é boa?

Como uma série, não tem nem o que dizer. É uma produção da HBO e nós já sabemos pela nossa experiência prévia com as adaptações do universo literário de G. R. R. Martin que ela não brinca em serviço. A atenção aos detalhes, o figurino, os cenários (desoladores em sua maioria, mas com uma certa beleza poética também) o casting, enfim. Fosse uma série isolada – ou seja, que não fosse baseada em um jogo de vídeo game – não haveria qualquer sombra de dúvida sobre sua qualidade.

Mas, ela é baseada em um jogo de vídeo game, e com isso, traz o peso de uma base de fãs já estabelecida (e, por vezes, ferrenha até demais). Nesse sentido, cabe a segunda pergunta: É uma boa adaptação?

E aqui, somos surpreendidos com uma segunda resposta positiva.

Antes que a parte mais radical da base de fãs fique ouriçada com as diferenças, basta dizer que elas não alteram o CERNE do material original. O casting da Sara, de uma personagem caucasiana para uma negra, não influi em NADA em sua personalidade espontânea e cativante. O modo de infecção dos Zumbis não ser por esporos não altera o cenário apocalíptico instaurado no mundo. Ainda estamos num ambiente hostil e paranoico, apenas não precisamos fazer Pedro Pascal usar uma (outra) máscara cobrindo seu rosto.

Me arriscando a ser alvo de ódio aqui, mas vou dizer que a série me agradou pelo exato mesmo motivo que o jogo me marcou (sim, marcou. Podem me julgar, mas eu não gosto de The Last of Us. Ao menos, não com a paixão que a maioria dos gamers dedicam a ele): Ela me gerou EXATAMENTE o mesmo desconforto que o jogo me gerou quando o joguei pela primeira vez. Exatamente pelos mesmos motivos.

E se falamos sobre o fator WOW, e de como descobrir como migrar isso de uma mídia para outra é a chave de uma boa adaptação, eu posso dizer que em diversos momentos eu soltei um “WOW, porque estou me forçando a passar por isso de novo?” assistindo os episódios de The Last of Us. Existiu aquele incomodo, o pescoço tensionado antes de cada corte de cena, aquele peso no peito e aquele estalar de dedos nervoso. Exatamente como acontecia quando eu controlava Joel e Ellie no meu PS3.

No frigir dos ovos, The Last of Us faz o que se propôs a fazer. Ela reconta uma história já conhecida, mas com elementos suficientes para atrair a atenção (e o carinho) dos fãs do jogo, dos fãs de séries bem-produzidas e dos fãs da temática apocalíptica de zumbi.

Em um mundo cheio de desconfiança com adaptações de vídeo games, The Last of Us nos mostra que o caminho do acerto – apesar de perigoso e tortuoso – é perfeitamente trilhável.

 

Review por

Ban é publicitário, escritor, desenhista, instrutor de Kung Fu, fã de mangás e Hq´s, e já teve um videogame de cada geração (sim, Ban é velho). Não gosta de jogos de Zumbis, mas reconhece a importância que The Last of Us tem no mundo dos vídeo games.